sábado, 13 de abril de 2013

Acessibilidade e inclusão social: muito o que fazer no Brasil

"Faltam políticas públicas nessa área", diz Zezinho Zanzini, que há 40 anos atua pela promoção da pessoa com mobilidade reduzida. Leia a entrevista ao Mobilize

Autor: Regina Rocha/ Mobilize  |  Postado em: 08 de abril de 2013  |  Fonte: Mobilize Brasil

Zezinho ZanziniZezinho Zanzini

José Luiz Zanzini, ou simplesmente Zezinho, há quase 40 anos desenvolve uma incansável batalha em favor das políticas públicas para a acessibilidade e inclusão social no país, em especial voltada a pessoas com mobilidade reduzida. Praticamente todos os órgãos e secretarias da prefeitura e governo de São Paulo que cuidam deste segmento devem sua criação a atuação proativa deste homem público.

Recentemente, Zezinho visitou o Mobilize Brasil, e concedeu esta entrevista, onde conta um pouco de sua trajetória por Ongs e esferas de governo e analisa os avanços e atrasos do país na área da mobilidade urbana para PCDs (Pessoas Com Deficiência).          

- Quem é José Luiz Zanzini, “o Zezinho”?

Zezinho Zanzini é como me chamam desde 1974, quando passei a prestar serviços às Casas André Luiz. Tudo começou ali, com o ato simples de providenciar tratamento digno a um garoto tetraplégico. Sempre me atraiu o voluntariado direcionado a pessoas com deficiência, mobilidade reduzida, idosos e crianças em risco. E também a proteção ao meio ambiente, à sustentabilidade e ao consumo responsável. Sou diretor voluntário de diversas ONGs. Trabalhando com uma pequena equipe, criamos a Comissão Permanente de Acessibilidade (CPA) da cidade de São Paulo, o Conselho Muncipal da Pessoa com Deficiência, a Secretaria Municipal da Pessoa com Deficiência e Mobilidade Reduzida, todas na cidade de São Paulo, e também a Secretaria Estadual dos Direitos da Pessoa com Deficiência do Estado de São Paulo, além de dezenas de outras secretarias, coordenadorias e diretorias voltadas à acessibilidade, inclusão e sustentabilidade. Esse trabalho completa 39 anos agora em abril. Mas há muito o que fazer ainda.

- Qual sua formação e as principais frentes de atuação?

Sou administrador, filósofo, sociólogo, gestor ambiental, gestor de serviços públicos e jornalista. Trabalhei em duas multinacionais, no ramo financeiro e de comunicação. Recebi mais de 200 títulos de capacitação e dezenas de prêmios nacionais e internacionais. Em 2013 passei a me desenvolver mais nas áreas de sustentabilidade e meio ambiente, ao mesmo tempo que minha atuação voluntária junto às ONGs prossegue normalmente.

- Quando surgiu o interesse pelo tema da acessibilidade e inclusão de pessoas com mobilidade reduzida?

Quando comecei o trabalho em prol da pessoa com deficiência e sua inclusão na sociedade, na década de setenta, era como se estivesse "enxugando gelo": o poder público simplesmente não tinha olhos para esse segmento. A Constituição de 1988 trouxe alguma mudança, mas tímida: havia mais gente interessada e, na área de cotas para PCD (Pessoas com Deficiência) começava a haver melhorias em hospitais, com centros de fisioterapias e soluções de acessibilidade. Em 1996, com algumas pessoas, desenvolvi a CPA em São Paulo. Nesse período, iam surgindo estudos e maior preocupação com espaços acessiveis nas cidades. Foi quando a deputada Mara Gabrilli, então à frente da Secretaria Municipal da Pessoa com Deficiência e Mobilidade Reduzida, e o hoje vereador Andrea Matarazzo (ambos ligados ao PSDB) conseguiram aprovar verbas para a reforma que tornava várias vias da cidade acessíveis; a Avenida Paulista, por exemplo, foi uma das beneficiadas. Na gestão do secretário Marcos Belizário, também apoiado por nossa assessoria, obteve-se verbas para a execução de vias acessíveis em todo o entorno de áreas hospitalares: Santa Casa, Hospital das Clínicas e Instituto do Coração, para ficar só nos exemplos mais divulgados pela midia.

- Qual a situação atual de mobilidade da pessoa com deficiência nas cidades brasileiras? Houve avanços?

A cidade de São Paulo, por exemplo: em mobilidade aqui é simplesmente um terror! Se na maior cidade da América Latina é assim, o que dizer de outros municípios menores...? Na capital paulista, só a ameaça de chuva faz parar tudo: o trânsito, o metrô, trens; é o caos formado, que inviabiliza qualquer tentativa de locomoção rápida. Com 33 milhões de metros lineares de calçadas e apenas 600 mil metros em condições de acessibilidade, não há mobilidade possível. Claro que houve avanços, mas foram medidas discretas, tímidas. Mesmo assim, serviram para motivar a sociedade a exigir mais do poder público, em todos os estados. As pessoas pedem que os gestores públicos sejam mais agressivos nas obras que envolvem acessibilidade, pois entendem que, uma vez os equipamentos públicos estando em boas condições, até a mobilidade se torna algo imperceptível, os deslocamentos feitos sem riscos de acidentes, e desaparecem os óbitos. Mas estamos atrasados e, após séculos do descobrimento, vemos afinal alguma luz no final do túnel. Um exemplo é o importante trabalho que o Ricky Ribeiro vem fazendo com o portal Mobilize Brasil, ao chamar a atenção dos governantes e gestores com dados confiáveis e objetivos.

- As soluções de acessibilidade encontradas (rampas, elevadores, plataformas) atendem às diferentes parcelas da população de baixa mobilidade, dentro de suas especificidades (cadeirantes, cegos, convalescentes, idosos, crianças etc.)?

Somos muito novos na gestão dessas ferramentas: acessibilidade, mobilidade, mobilidade reduzida, idosos, PCDs... Diria que faz menos de 20 anos que vimos pensando e trabalhando neste sentido no Brasil. Mas o importante é que já servimos de exemplo a muitos outros países quando desenvolvemos softwares, roupas e pernas robóticas, bengalas luminosas, mouse ocular e visual, teclado virtual, guincho de piscina, stand table, além de outras ferramentas já conhecidas. Um bom momento para conferir estas soluções será dos dias 18 a 21 de abril próximos, quando será realizada no Centro de Exposições Imigrantes de São Paulo a 12ª Reatech - Feira Internacional de Tecnologias em Reabilitação, Inclusão e Acessibilidade. É a maior feira de negócios voltada a tecnologias para PCD em todas as categorias, com equipamentos de mobilidade e acessibilidade para indústrias e comércio em geral. Voltando à pergunta, seria utópico dizer que todas essas ferramentas atendem a todos, em suas especificidades, mas aos poucos tudo vai se desenvolvendo nesse sentido. Outro meio é acionar o Ministério Público: quando a pessoa não se vê atendida como deveria pelo gestor público, deve procurar o órgão para exigir condições de tratamento adequadas. É pena que a maioria da população ainda desconhece o direito a esse recurso.

- Há no país políticas públicas eficazes de atendimento às pessoas com baixa mobilidade?

Não podemos falar de políticas públicas, principalmente na faixa de pessoas com mobilidade reduzida, sem abordar antes a injusta concentração de renda e a dificuldade de acesso aos serviços básicos de infraestrutura e saúde para pessoas de baixa renda em geral. Também devemos lembrar que nosso sistema de arrecadação fiscal é indecente, e indiretamente responsável pela falta de mobilidade dessa e das proximas gerações. Então, temos problemas e impasses no país que ainda precisam ser solucionados. No Brasil, todas as dificuldades encontradas na área de mobilidade influenciam em princípio a filosofia educacional de um povo. Ao provocar privações e revoltas, produzem o que chamamos de baixa mobilidade, efeito direto das barreiras antepostas pela burocracia às políticas públicas existentes. O poder público precisa voltar seu olhar às desigualdades, para que se alcancem os avanços no mundo da mobilidade. A continuar como está, a culpa sempre será das áreas de seguridade social e da assistência social, e nunca dos próprios governantes.

- Cite exemplos, no Brasil e no exterior, de práticas e ações bem implementadas nessa área, e que resultados trouxeram?

Um exemplo recorrente são as soluções de mobilidade no transporte público da cidade de Curitiba. Mas nos últimos anos cidades paulistas como Socorro, São José dos Campos, Mogi Mirim, Caraguatatuba, São Caetano do Sul e muitas outras saíram na frente. E vêm mostrando que não apenas é possível a acessibilidade para a inclusão social, como a promoção de políticas públicas nessa direção só contribui para gerar mais recursos para a cidade. Isso simplesmente porque passa-se a contar com uma gama de pessoas com que nunca se imaginou ativa, e que agora se locomove sem constrangimentos, contribuindo com sua força produtiva para o município. Em países como os Estados Unidos, a preocupação com a mobilidade e acessibilidade destas pessoas já está enraizada nas políticas públicas. Estamos falando de um país que vive em guerra, que tem de responder a um número gigantesco de pessoas mutiladas. A mobilização do Estado acontece logo que o cidadão americano ferido de guerra se restabele. Assim também é a realidade de países como Alemanha, França, Inglaterra... Quanto a nós, na América Latina, mesmo descontando as diferenças conjunturais com o Primeiro Mundo, as preocupações e soluções de mobilidade devem ser copiadas, no mínimo para tornar a vida de todos mais alegre e saudável.

- Inclusão social e profissional: em que medida a qualidade do ambiente urbano facilita e/ou dificulta o acesso e integração dos deficientes físicos e mentais? 

Quanto às facilidades do acesso e integração dos PCD, há certamente melhorias quando alguns aspectos de qualidade ambiental são adotados nos projetos. É necessário buscar soluções de planejamento urbano que privilegiem os espaços verdes, com melhores condições de vida aos habitante das cidades, e estimular a integração, a inclusão e o profissional pcd dentro dessa malha urbana, inclusive com melhores padrões de mobilidade.  A maior dificuldade, nas grandes cidades brasileiras é encontrar e planejar esses espaços urbanos, com qualidade ambiental, como forma de estimular a reflexão inclusiva. Quando se planeja uma cidade confortável e acolhedora para pessoas com deficiência e idosos, naturalmente essa cidade será melhor para todos.

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