Thomaz Fernandes (G1)
Obra "Cega" de Rogerio Bonato
A professora Érica Aparecida de Fátima dos Santos, de 30 anos, dá aulas de história como temporária em escolas estaduais de Piracicaba (SP) há três anos. Além das dificuldades inerentes a lecionar para adolescentes e atuar na rede pública, a piracicabana ainda precisa se desdobrar diariamente para enfrentar a deficiência visual sem prejudicar o aprendizado dos alunos.
Quando Érica nasceu, problemas no
parto deixaram sequelas na sua visão. À medida que foi crescendo, a professora
perdeu gradualmente a visão até ficar completamente cega aos 16 anos. Durante a
readaptação, descobriu a vocação para ensinar. `Depois que passei pelo processo
de adaptação, passei a ensinar braile e descobri que tinha vocação para
lecionar. Como gostava de história, fiz o vestibular e passei`, relatou.
Na Universidade Metodista de
Piracicaba (Unimep), que é adaptada para deficientes, Érica foi prevenida sobre
as dificuldades que enfrentaria após se formar. `Uma professora me falava das
minhas limitações e de como poderia superá-las. Ela me orientou sobre o meu
direito de solicitar um assistente e me preveniu que não seria fácil`.
Adaptações
Há um ano, Érica conseguiu, por meio
de processo judicial, um professor assistente encarregado de escrever a lição
na lousa e auxiliar na questão disciplinar. Até então a professora se
encarregava sozinha de todo o trabalho, que vai além do conhecimento da matéria.
`No meu primeiro ano, o Estado rejeitou meu pedido por um auxiliar. Então
precisei requisitá-lo na justiça`, afirmou.
Sem a ajuda de um assistente com
visão da sala de aula nos dois primeiros anos, a professora elaborou adaptações
ao próprio trabalho. `Como eu não conseguiria passar a matéria na lousa, fazia
todo o conteúdo no meu computador (sonorizado) e passava para a turma ou
deixava uma cópia com o representante de classe`, explicou.
Para ministrar provas, sempre havia
um funcionário da escola para garantir que os alunos não fraudassem o exame.
Para corrigi-las, ela recorria à mãe e a irmã, que liam as respostas para que
ela apontasse erros e acertos. O principal problema foi conter casos de
indisciplina. ``Pelo fato de eu não enxergar, os alunos acham que tem uma
liberdade que não encontram com outros professores. É duro quando 30 alunos
estão falando ao mesmo tempo e saber que se eu enxergasse bastava uma
repreensão para eles se calarem`, disse.
Parceria e rendimento
Apesar de ter conseguido `sobreviver`
dois anos sem o auxiliar, Érica admite que o seu desempenho e o andamento das
aulas é inferior sem esse auxílio. `Mesmo conversando com os alunos e sendo
respaldada pela diretoria, não adianta achar que não precisava do auxiliar,
pois precisava`, contou.
O professor de matemática Murilo
Feliciano, de 20 anos, está há três meses atuando como os `olhos` de Érica,
seja lendo provas, escrevendo na lousa ou apontando o aluno responsável pela
conversa em sala de aula. `Para mim está sendo uma experiência boa dentro da
sala de aula, mesmo fora da minha área`, disse.
Superação
Érica
sente-se na obrigação de representar um exemplo para deficientes visuais. O
Estado não respondeu ao questionamento sobre o número de deficientes visuais em
salas de aula da rede estadual, mas ela afirma que não é uma prática. Por ser
uma das poucas, a professora crê que um erro ou uma desistência podem
prejudicar a inserção de deficientes na área. `O deficiente visual nem desistir
pode`, completou.
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